Contexto histórico da versão Grimm
No
início do séc. XIX a região que posteriormente se tornaria Alemanha, vivia um
momento de transição. A atual Alemanha ainda não existia, o que existia era uma
frouxa federação reunindo trinta e cinco estados monárquicos e quatro
cidades-estado republicanas. Assim permaneceu até o tratado de Viena em 1815 em
que se constituiu a Alemanha como
tal. Vivia-se a época das guerras napoleônicas que havia resultado na invasão e
ocupação de toda a região por tropas francesas e que traziam forte pressão pela
imposição de sua cultura e seus valores. Diante deste quadro, os habitantes da
região se refugiaram em aspectos culturais específicos, sua história em
movimento de resistência e auto-afirmação cultural nacional. Este aspecto
tingiu fortemente o romantismo alemão. Os irmãos Grimm, como integrantes deste movimento, estavam no
lugar certo, na hora certa, para refletirem este momento.
Esta
proto-Alemanha fragmentada era grandemente baseada no sistema medieval feudal
em que se observava a presença de uma classe dominante, nobre, e uma classe
camponesa. Essencialmente não havia uma classe média, uma burguesia
pronunciada. Esta situação está reproduzida no conto Branca de Neve em que
podemos observar a presença desta divisão em classes distintas.
Ações
culturais como
o resgate de contos populares promovido pelos Grimm tiveram papel crucial no
império prussiano para a preservação do espírito nacionalista alemão. Mesmo
após as guerras napoleônicas elas continuaram a desempenhar papel aglutinador
que auxiliou no processo de unificação política que se avizinhava.
Dentro
dos contos Grimm, dentre os quais nos ocuparemos especialmente de Branca de
Neve, é possível identificar reflexos do contexto de sua época em aspectos
como, por exemplo, estrutura a família, emergência da educação, pressões
religiosas, estrutura política, transição da tradição oral para meio impresso.
Contexto da estrutura familiar
Na
passagem do séc. XVIII para o XIX esperava-se amadurecimento muito mais precoce
do que se espera hoje. Não é exagero considerar-se que não existia infância como a conhecemos. Esperava-se que as crianças trabalhassem
assim que fosse possível e eram tratadas como
adultas desde muito cedo. Pela incapacidade, até financeira, de as famílias
oferecerem ambientes específicos às crianças e a enorme carência de opções de
entretenimento as crianças se viam participando das atividades “adultas”. Assim
eram expostas aos aspectos “nefastos”, “impróprios” das estórias que os adultos
contavam uns aos outros.
(trabalho
infantil)
Educação e Religião
Também
as alterações que verificavam na educação e religião contribuíram para a
retomada literária alemã do período. Ainda que o trabalho infantil estivesse
extensivamente presente, por influência da ascendente burguesia, espalhava-se a
ideia de que a leitura e estudo da Bíblia seria um caminho para salvação da
alma. Em contradição, a Igreja Católica pregava que a salvação somente seria
possível através da confissão e penitência. Com o passar do tempo esta difusão
da leitura teria profundo efeito na história e política da Alemanha. Ajudou a
criar um novo perfil de classe baixa, que conquistou certa mobilidade social
pelo acesso a literatura básica, com uma visão filosófica maior da vida e um
vigor religioso renovado.
Os Grimm
são tidos em elevadíssima conta em termos culturais e históricos, em que pesem
algumas restrições modernas a seus métodos e fontes. A sua coleção de contos
considerada, em geral como
referencial, é das mais consultadas.
Jacob e
Wilhelm Grimm abertamente se posicionavam não como autores/criadores dos contos.
Assumiam-se como
transmissores. Recontavam e adaptavam narrativas pré-existentes. Porém não se
resumiam a meros transcritores, coletores. Moldavam as versões que coletavam
imprimindo-lhe linguagem simples e de fácil compreensão. Intervinham “limpando”
a linguagem para torná-la mais poética.
Contexto histórico da versão Disney dos
anos 1930
Muitos
aspectos do filme de Walt Disney “Branca de Neve e os Sete Anões” foram
trazidos diretamente da versão dos Irmãos Grimm. Por outro lado, podem-se
identificar numerosos aspectos culturais típicos dos EUA dos anos trinta.
Viviam-se
os tempos pós-crash de 29. Época de Grande Depressão econômica. Como reflexo das
acentuadas dificuldades econômicas, as pessoas eram forçadas, pela falta de
opções e recursos, a passar mais tempo em família. Surgiu
uma grande demanda por entretenimento de baixo custo para as massas. Foi neste
contexto que surgiu filme sonoro e a cores e, neste movimento, a Walt Disney
trouxe Branca de Neve para as telas.
Os anos
trinta foram um período turbulento para os norte-americanos. Apesar de as
recordações da Primeira Guerra Mundial estarem se dispersando, já se
prenunciava a próxima grande inquietação na Europa. Apesar do fim da Lei Seca
não se ofereciam muitas opções e lazer às camadas mais pobres da população. O
surgimento do cinema com fácil amplo acesso do público trouxe uma porta escape
da realidade para muitos. Filmes, documentários, desenhos animados ajudaram a
anestesiar a atenção das massas sofridas
A Grande Depressão
A quebra
da bolsa em 1929 fez os EUA entraram em profunda depressão financeira, com
escassez de trabalho e dinheiro. Os americanos viram-se forçados a viverem bem
aquém de suas preferências. Esta intensa pressão desencadeou mudanças na
cultura americana .
As narrativas surgidas neste período, especialmente filmes, se aproximaram de
relatos de cunho nacionalista da Alemanha do século XIX. Hollywood
buscava promover o espírito americano, engrandecer o senso de nacionalidade, e
distrair os americanos da crise econômica vivida. Exibia muito mais interessem
em mostrar uma utopia do que como
elas realmente eram. O cinema passou a ser revestir de perfil de necessidade
que de distração.
(Quebra
da bolsa em 1929)
Necessidade Generalizada de Entretenimento
Na
segunda metade dos anos 1930 o público adepto de cinema nos EUA girava entre
oitenta a noventa milhões de pessoas por semana, (United States Census Bureau,
1930 Census. Isto significa que mais de dois terços dos EUA estava assistindo
pelo menos um filme por semana.
Segundo
o New York Times, “Branca de Neve e os Sete Anões” teve um público estimado em
mais de 800.000 e foi o primeiro a permanecer mais de três semanas em cartaz.
Walt Disney tornou-se sinônimo de transpor contos de fada para as telas.
Ao longo de mais de oitenta e cinco anos gradualmente tornou-se a porta
de entrada da maioria da população mundial para o mundo dos contos de fadas.
Disney não somente inovou com seus filmes animados, mas moldou todo um novo
gênero de contos de fada adaptados para o meio fílmico. Apesar de não
apresentarem nenhuma reivindicação quanto à autoria dos contos, reivindicam a
propriedade de suas versões.
Transposição para filme
A transposição de uma mídia para outra acaba causando mudanças na
mensagem, ainda que seja apenas para se respeitarem as regras, restrições e
limitações específicas da mídia de chegada.
No
período 1930 a
1940 não se atribuía ainda à fotografia o status de arte. Muitos críticos
resistiam a admiti-la como
tal. Como
reflexo também o status do cinema era dúbio. Isto era especialmente agudo para
o cinema de animação
Em 1930
havia competição acirrada entre os diversos estúdios pelo público pagante.
Todos trabalhavam muito para criar novas ideias e aperfeiçoar tecnologias antes
de seus competentes. Os estúdios Disney queriam produzir um longa metragem
animado para obterem destaque.
Disney
precisava conseguir usar animação de modo realista para se distanciar de um
filme realizado com atores humanos. Em “Branca de Neve e os Sete Anões” Disney
logrou obter esta mescla de realidade e fantasia. Atualmente a versão da Disney
tornou-se a mais popular, a mais traduzida, a mais dublada em línguas
estrangeiras e a mais distribuída mundialmente.
A reação da crítica foi dividida, mas basicamente positiva. Ao se
verificar o texto da maioria delas, porém, fica clara a falta de familiaridade
dos críticos com o conto original.
Tomamos por objetivo neste trabalho, fazer uma confrontação da versão
apresentada por Disney com a versão dos irmãos Grimm, que tomaremos como
“original” de referência.
Ao contrário do que mostra Disney, para os Grimm Branca de Neve era
filha e havia sido desejada pela rainha, sua mãe.
Branca é
mostrada no início do filme em trajes esfarrapados, como se fosse serviçal e vê
o príncipe. Ela já está mulher formada. No filme Branca é criança de 7 anos.
No
filme, Branca mostra forte associação e interação com os animais silvestres. Os
Grimm não fazem qualquer alusão a animais no conto.
Segundo
os Grimm, a rainha devora o coração e os pulmões que o caçador traz. Não há
menção a isto no filme. Na versão de Walt Disney a rainha só pede ao caçador
para que lhe traga o coração de Branca de Neve.
Apenas
no filme Branca é guiada por animais à casa dos anões e Disney capricha na
caracterização do horror no percurso. No conto chega após errar pela floresta.
No filme
a casa dos anões está toda bagunçada e Branca logo se põe a arrumá-la. Há
contribuição dos animais e várias lições moralizantes. Prepara comida para os
anões e eles percebem Branca pela arrumação feita. Branca é mostrada como a
dona da casa numa residência assobradada. Ela é também mostrada claramente como
figura materna e os anões como infantilizados e incapazes. Demoram a encontrar
Branca. Anões recebem destaque muito maior. Branca se oferece para cuidar da
casa. Branca manda anões dormir. Branca tem cena de reza. Além disso, os anões
ficam atordoados por conta dos beijos na cabeça.
No Conto a casa está meticulosamente arrumada e os anões percebem a
presença de Branca pela desarrumação que ela causou. Prova comida já
servida. Anões acham Branca rapidamente. Eles é que ensinam Branca a cuidar da
casa. Branca “brinca de casinha” com os anões numa casa de cômodo único. Anões
pedem que ela cuide da casa
Disney
apresenta os anões individualizados, com personalidades próprias. No conto são
anônimos.
Cena
moralizante do banho dos anões => crianças!!
Rainha
faz apenas um ataque, bem-sucedido no filme. No conto são no total 3, sendo que
os anões a salvam em 2 deles.
No filme
há presença de recursos mágicos para disfarce da rainha, inexistentes no conto.
No filme
a madrasta é mostrada passando por pântano sombrio para levar a maçã. Pássaros
tentam demover Branca de morder a maçã e depois chamam os anões.
No
filme, a bruxa morre caindo de precipício, enquanto no conto ela morre dançando em sapatos de ferro.
No
conto, os anões são apenas situados como mineiros. Já no filme, há detalhes da
rotina de trabalho deles, apontando até que são mineiros de pedras preciosas.
No
filme, Branca é acordada após um beijo apaixonado do príncipe. Já no conto, ela
acorda após levar um tapa nas costas que faz com que o pedaço da maçã saia.
Bibliografia:
Branca de Neve, visitado em 20 de Junho de 2015; http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/branca_de_neve.
Branca de Neve e os Sete Anões. Direção: David Hand. Disney: 1937.
Washington D. C.: Federal Archives, 1930, visitado em 09 Junho 2015;
http://www.census.gov/pubinfo/www/1930facts.html; Internet
New York
Times, “News of the Screen: ‘Snow White,’ First to Remain for Fourth Week at
the Music Hall, Expected to Draw 800,000,” 31 January 1938, ProQuest Historical
Newspapers The New York Times.
Grupo:
Evelise Rabassa de Melo nº USP: 8072725
Francisco I. Bueno nº USP: 8024915
João Joakim T. Wagner nº USP: 809482
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