sábado, 20 de junho de 2015

A Jovem Adormecida: da tradição oral às telas do cinema

                À época do Romantismo literário, vê-se um mundo e pessoas divididos entre o bem e o mal, em que relativizar esses dois conceitos era bastante difícil. Com a evolução da sociedade e à luz da Modernidade, observa-se um mundo composto por esta dicotomia dividida por linha muito tênue.

     Na versão cinematográfica, Malévola (2014), expressa-se ideologia mais convergente à contemporaneidade nas suas complexas relações sociais. Embora se tenha no conto Sol, Lua e Tália essa visão mais contemporânea, não se pode afirmar que a versão A Bela Adormecida retrate de maneira moderna a relação bem versus mal. Nessa, a visão maniqueísta está bem demarcada, como veremos a seguir.

Sol, Lua e Tália ou A Bela Adormecida

Presente no imaginário de grande parte do mundo ocidental, os contos de fadas permeiam o desenvolver das gerações, estabelecem parâmetros, ditam conceitos, transpassando séculos e séculos.

As versões feitas pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm foram as que conquistaram maior alcance entre as histórias “para crianças” nos últimos séculos. Histórias muitas vezes adaptadas de versões orais que, em sua essência original, eram destinadas a adultos.
E com A Bela Adormecida, podemos notar um grande contraste entre a versão apresentada pelos irmãos Grimm (1812), e aquela mais próxima das versões orais, aqui representada como Sol, Lua e Tália , publicada em Il Pantamerone ossia La fiabe delle fiabe de Giambattista Basile (1636), e a partir deste contraste podemos observar a transformação de uma história voltada ao entretenimento adulto, a uma a ser apresentada posteriormente como um clássico infantil, envolta em uma estética romântica e infantilizada. 






Olhando brevemente para o conto dos irmãos Grimm, temos uma história em que as coisas acontecem simplesmente por acontecer. Uma rainha e um rei desejavam muito ter filhos, mas não conseguiam. Então, nada mais natural do que um caranguejo na banheira da rainha dizer a ela que seu desejo será realizado. 
Logo após o nascimento da criança, as fadas do reino são convidadas para presentearem a linda princesa, a fada que não foi convidada, enfureceu-se, e como castigo, destinou a princesa, que, quando jovem, espete o dedo em uma roca e caia morta em seguida.



A última fada “boa”, que ainda não tinha dado seu presente, amenizou a maldição: Mas não será uma morte de fato, ela apenas cairá em sono profundo e permanecerá por cem anos. Quando a jovem cai em sono profundo é despertada por um beijo do príncipe, e juntos vivem, felizes para sempre.


Agora, quando se tem em mãos o conto de Basile, Sol, Lua e Tália, nos ocorre certo estranhamento. Basile registra uma narrativa que parece pouco preocupada com os valores cristãos da época, e menos ainda com algum interesse romântico. Dos que recontaram essa história, sem dúvidas o autor italiano foi o que mais permitiu elementos cruéis e contrários à moral em sua obra, e por tal motivo, pode ser considerado o texto mais próximo das versões orais.
"[...] os camponeses não precisavam de um código secreto para falar sobre tabus. [...] E por aí vai, do estupro e da sodomia ao incesto e ao canibalismo. Longe de ocultar sua mensagem com símbolos, os contadores de história [...] retratavam um mundo de brutalidade nua e crua"(Darton, 1986)
Sol, Lua e Tália causa estranhamento no leitor logo nas primeiras linhas: Tália, a protagonista, fura o dedo na farpa de linho e adormece já no segundo parágrafo. O leitor contemporâneo fica desorientado por não saber o que virá a seguir. Note-se que aqui não há feitiços de uma “fada má”, mas sim oque ocorre é uma previsão de sábios e adivinhos sobre a sorte da jovem. Aliás, sorte e destino são fatores muito utilizados no conto.
          Ademais, há uma sequência de hipérboles na cena que dramatiza o que ocorrerá. Tália, ao contrário do que ouvimos em A Bela Adormecida, não adormece, mas caiu morta ao chão, o pai da moça chorou um barril de lágrimas. Essa tristeza ainda é intensificada pela interiorização aguda do corpo de Tália por seu pai: Assentou Tália em uma poltrona de veludo debaixo de um dossel de brocado, no interior do próprio palácio, que ficava em um bosque. Note a sequência: dossel de brocado – interior do palácio – bosque. O pai, diante de sua infinita tristeza, abandona a princesa para sempre.e.



          A seguir, vem uma das cenas mais impactantes do conto de Basile. Um rei, que caçava pelo bosque, depara-se com o palácio e chama por alguém, como ninguém o atendia, resolve entrar. Encontrando a bela moça que lhe parecia encantada, chamou-a, porém como esta não respondia, levou-a a um leito onde colheu dela os frutos do amor. Ou seja, estuprou-a, pois Tália adormecida não consentiu o ato. A seguir, o rei a deixa.


Temos aqui um segundo caso de abandono. Se pensarmos nos valores cristãos amplamente conhecidos, a atitude do rei não é nobre (como se espera de um cristão, ainda mais de alguém que possui tanta importância quanto um rei), pois estupra a moça e a abandona logo em seguida, sem se preocupar com o que lhe havia passado: Voltou ao seu reino, onde por um longo tempo não se recordou mais daquele assunto.

Tália dá a luz , então, a duas crianças: Sol e Lua, que devido ao estado  adormecido de Tália, são amparadas por duas fadas. Um dia, na ausência destas, os bebês com fome, por extinto buscam o mamilo materno, e durante a procura, acabam por chupar o dedo da mãe que havia sido espetado pela farpa e, assim, retiram-na da mulher, que desperta de seu sono encantado. Aqui, vale ressaltar que as fadas auxiliam as crianças, e nunca Tália.

Certo dia, o rei, lembrou-se daquela bela jovem adormecida e de sua prazerosa aventura, e diante da ocasião de uma caçada pelos arredores daquele castelo (novamente a sorte na narrativa), resolve vê-la. No conto de Basile, é explicitado que o fato ocorrido entre o rei e Tália foi uma aventura, com essa afirmação constante, se contraria novamente os padrões cristãos para a época e até mesmo para os da contemporaneidade, onde aventuras extra conjugais são abertamente condenadas.

Quando o rei adentra o quarto onde está Tália, é novamente abarrotado por dois prodígios de beleza, só que nesse momento a beleza a qual se refere é a de seus dois filhos. O rei então conta o que houve a jovem, que de nada se lembrava, e os dois incrivelmente ficam amigos, algo que não é comum, pois a jovem fora estuprada pelo rei, gerara dois filhos enquanto estava adormecida, e depois de toda essa situação aceita a amizade do homem que lhe colheu os frutos do amor e que lhe promete buscá-la e levá-la ao seu reino.
         Até este momento, a narrativa se desenvolve em torno de Tália, mesmo que esta seja uma personagem totalmente passiva nos acontecimentos. Mas, na sequência do conto, a Rainha entrará na história e ganhará destaque durante sua busca por vingança.


A Rainha é retratada através de figuras de linguagem e de algumas referências mitológicas como “coração de Medéia”, “carranca de Nero”, “turca renegada”. De modo geral, o conto traz figuras e símbolos para o interior de sua narrativa. 
A esposa do rei, desconfiada das frequentes caçadas do rei, questiona ao secretário em interesse de descobrir por quem seu esposo está enamorado. O questionamento, único discurso direto do texto, o que ressalta a importância desta personagem, é feito a partir de duas possibilidades, entre as quais  o secretário deverá escolher: Se você me disser de quem meu marido está enamorado, eu o farei rico; e, se me esconder a verdade, farei com que nunca mais o encontrem, nem morto, nem vivo. A escolha é a da riqueza. Aqui, novamente se há reversão dos costumes: a corrupção pelo dinheiro, que transforma qualquer empregado fiel em aliado do inimigo. 
          Então, a rainha ordena que o empregado busque as crianças com a justificativa de que o rei queria revê-las. Estas, chegando ao palácio, são levadas ao cozinheiro a quem a rainha lhe ordena a degola dos filhos do rei e o cozimento em diversos pratos. O cozinheiro, com pena das belas crianças, diz a sua esposa que as esconda e, prepara a comida com dois carneiros. A crueldade, já antes notória na atitude da Rainha de mandar degolar Sol e Lua, é intensificada pela sua fala durante o jantar: Coma, que está comendo o que é seu. Observamos aqui a presença de certa antropofagia que já estava presente em uma passagem anterior: Quando comia, tinha Tália em sua boca, e também Sol e Lua. E também mais adiante quando a Rainha se dirige à Tália: Você é aquele tecido delicado, aquela boa relva com que meu marido se delicia?. Essas falas contribuem ainda mais para o fator de estranhamento do conto.


A maldade da rainha, entretanto, não cessara. Manda o secretário buscar Tália porque o rei desejava vê-la. Entretanto, lá chegando, a moça é mandada para a fogueira, após claro, uma série de insultos proferidos pela Rainha. Antes, a protagonista do conto pede à esposa do rei, que possa retirar suas vestes; a rainha o aceita não por bondade, mas por interesse na riqueza do tecido (vemos, portanto, mais um elemento de interesse material presente no conto). No decorrer da ação, Tália grita, o rei a escuta e manda a rainha e o secretário, que ajudara na maldade, para a fogueira no lugar da bela adormecida. Recompensa o cozinheiro que havia salvado os filhos, toma a Tália como esposa e vive feliz com ela e os filhos, Sol e Lua.
Nesta segunda parte do conto, temos a presença da “bruxa má”, figura carimbada de qualquer conto de fada, pois a bondade exige de contrapartida a maldade. Porém, neste conto de Basile, temos a Rainha que tem seu excesso de crueldade ao mandar matar Sol, Lua e Tália. Mas por que a Rainha deseja essas mortes? Sua maldade é gratuita? Podemos intitular de fato de maldade?

A nossa Rainha, descobre que seu marido, o tão respeitado Rei, que sai para caçar e assim ter um pouco de distração, estava se distraindo não só com os cervos. A Rainha descobre que o Rei tem uma amante. Não só isso, mas que essa amante era uma linda jovem, que foi abusada pelo rei em seu sono profundo durante uma aventura, aventura que rendeu dois belos filhos, filhos estes que a Rainha não tinha. E ainda por cima, o Rei promete trazer a amante para viver no reino.


Aqui, se revela o lado perverso de qualquer ser humano ao se sentir ameaçado, humilhado, traído. Não que seja justificável matar alguém, mas neste conto a maldade aparece como um fator normal ao ser humano, pois ninguém é cem por cento mau ou cem por cento bom. A maldade da Rainha foi motivada pelas atitudes inconsequentes do Rei, e assim geraram um desejo por vingança, um sentimento de amargura e tristeza.

Ao contrário da adaptação dos irmãos Grimm, em que a “fada má” resolve castigar a princesa Aurora logo após seu nascimento, unicamente pelo fato de não ter sido convidada para a celebração de sua chegada. Um motivo fútil, em que a maldade está presente apenas pela necessidade de estar, não há motivação alguma para que as ações más ocorram.


Ainda observando a maldade e comportamento, temos no fim o castigo final a aquele ser causador do mal: a Rainha acaba por ser jogada na fogueira para ser queimada viva por sua crueldade, enquanto isso, o Rei vive feliz com Tália e seus dois filhos. Observamos então como os costumes da época eram controversos e como a mulher era pouco decisiva nas decisões e ações. O Rei apronta durante todo o conto, fere o que é posto como moral e bons costumes ao trair sua esposa, estuprar uma jovem desacordada, depois abandoná-la, voltar meses depois para continuar sua aventura e ainda jogar na fogueira sua esposa, que vale ressaltar, não tinha consolidado ainda seu plano de vingança, mas que também não teve ao menos a oportunidade de falar em sua defesa. E o “Felizes para sempre” é destinado ao homem da história, que se formos observar seu percurso, é um homem “mau”, tanto quanto a Rainha.
E para finalizar, vemos que a versão de Basile é marcada pela presença do destino, desde o começo com a referência aos sábios e adivinhos sobre o futuro de Tália; pelo acaso o rei fora pela primeira vez ao palácio de Tália, depois de alguns meses, ainda por acaso, por ocasião de uma caçada nas redondezas volta para vê-la; e esse aspecto de sorte, ainda é reafirmado com a frase final do conto, que é uma espécie de moral, que afirma esse encadeamento: aquele que tem sorte, o bem/mesmo dormindo, obtém.

Concluindo, o conto apresenta elementos que o distanciam dos contos de fadas amplamente divulgados: há uma crueldade muito acentuada, cena de estupro, abandono e antropofagismo.

Malévola


No filme Malévola (2014), adaptação do conto A Bela Adormecida, dos irmãos Grimm, feita pelas produções da Disney, a narração da princesa Aurora diz: Vou contar uma velha história de um jeito novo, veremos o quanto você a conhece. Nesta versão cinematográfica, a figura da Malévola é ambivalente, pois foge do maniqueísmo literário; ela não é nem boa nem má. O Rei, no filme, representa a figura estereotipada do mal, pois ele é vaidoso e ganancioso, já a figura estereotipada do bem é representada pelas três fadas, pois são elas que protegem e desejam o bem a todos.




Malévola é de natureza boa, pois é uma fada simpática, protetora de todos os habitantes do reino em que vive. Há contraposição de dois reinos, o dos Moors, em que vivem seres maravilhosos e o reino dos humanos, governado pelo ambicioso rei. A luta é dos humanos contra as fadas. Stefan aparece no reino das fadas, em que conhece Malévola. Eles se apaixonam, mas Stefan é um ser humano sedento por poder e dinheiro.
O rei dos humanos ambiciona destruir o reino das criaturas mágicas, inclusive Malévola, para usufruir das riquezas deste. Ele, às vésperas da morte, diz que deseja conquistar o reino mágico; Stefan, ambicioso, deseja suceder-se ao trono do rei, o qual prometeu doar todo o seu reinado a quem conseguisse vingá-lo, ou seja, destruir os poderes da Malévola, a qual o feriu durante batalha entre os dois reinos.




A reviravolta da protagonista ocorre quando Stefan, em nova aproximação, corta as asas da fada. Malévola não consegue mais voar, mas ainda tem alguns poderes mágicos. Ela sente-se muito triste após esse fato, pois não poderia mais defender seu reino das pretensões externas.


Stefan torna-se o rei no reino dos seres humanos. Stefan e sua mulher dão à luz uma menina, chamada Aurora. Malévola comparece à festa de celebração do nascimento de Aurora. Neste ponto, a versão do filme mais se aproxima do conto A Bela Adormecida, pois é quando Malévola surge para amaldiçoar a filha do homem que a traiu. Malévola, então, deseja que Aurora, caso espete seu dedo em uma roca, caia em sono profundo, podendo acordar somente com um beijo de amor verdadeiro. Depois disso, o rei Stefan decide que Aurora, até seus 16 anos (período de duração da maldição), fosse criada na floresta dos Moors com as três fadas para que ela pudesse ficar salva de encontrar uma roca e ter a curiosidade de espetar seu dedo nela.
Aurora cresce na floresta, sempre sendo observada por Malévola, a qual a livra de muitos perigos. A menina é curiosa e deseja conhecer o mundo que havia além dela, mas Malévola a adverte que há um mal neste mundo e não pode protegê-la. Malévola, acaba por fim, arrependida e retira a maldição proferida contra Aurora, mas é tarde.
Quando Aurora descobre que tem um pai vivo e que, na verdade, não é órfã, sai pela floresta em busca da verdade narrada pelas fadas que a criaram. Às vésperas de completar 16 anos, poderá retornar ao palácio, pois o feitiço estará desfeito. Aurora, na sua saída em busca de si, encontra Malévola e diz que uma fada má rogou-lhe uma praga. Malévola confessa que foi ela esta fada, Aurora diz à Malévola: Você é o mal que existe no mundo.


Malévola sente-se arrependida ao ver Aurora dormindo na cama do palácio após ter espetado seu dedo em uma das rocas escondidas no porão do castelo. A fada confessa que foi embebida de ódio e vingança. Malévola, protagonista da adaptação, é uma personagem complexa que incorpora o bem e o mal em si. Ao final, o amor materno que a fada nutre por Aurora a faz despertar do sono profundo. Malévola possui características de uma mulher determinada, inconstante, verdadeira e guerreira, não é uma mulher idealizada e passiva.
Malévola luta com o rei Stefan nos minutos finais do filme. Ele a questiona como ela se sentia sendo uma fada sem asas em um mundo que não era o dela. Ela, então, ganha novas asas para guerrear no mundo ao qual não pertencia e em que nunca desejou pertencer.
O final feliz do filme ocorre com a unificação dos dois reinos após a morte do rei Stefan. Aurora é coroada rainha do reino humano e Malévola, como a princípio, é a rainha do reino dos Moors.


A narradora, Aurora, presente no início ao fim do filme para contar a história diz que: A história não é bem como contaram a você, e diz, ainda, que sabe bem disto, pois ela própria foi chamada de Bela Adormecida. Aurora termina por dizer que No final, o reino foi unificado não por um herói ou um vilão, como previra a lei, mas por alguém que era tanto herói quanto vilão. E seu nome era Malévola.

Uma questão de perspectiva

Apesar de se servirem de um mesmo núcleo narrativo as três histórias sobre a bela adormecida que citamos trabalham de maneira diferente com os elementos que constituem aquele núcleo. Utilizaremos, como fio condutor de nossa análise, a maldade.
Em Sol, Lua e Tália a figura da Rainha representa o polo antagônico da narrativa. Como já discutimos anteriormente, ao nosso ver, existe uma motivação para as reações desta personagem, porém, para os fins de nossa analise atual, consideraremos que a narrativa não os apresenta, explicitamente. Não há tentativa de apresentar o Rei como culpável e da Rainha como alguém que sofreu um agravo, isso porque, como também comentamos, o homem é a figura central, tudo lhe é permitido e perdoado. É interessante pensar, para encerrar esse ponto e focarmos na questão da maldade, que a mocinha perdoa a atitude do Rei, já a Rainha não e, além disso, procura se vingar.
A Rainha, apesar das considerações anteriores, é construída na narrativa como a antagonista. Sua primeira aparição nos revela, por exemplo, que ela é irascível, porque foi tomada de um ardor maior do que de costume. Também usa de chantagem para que o secretário do Rei lhe dê as informações que quer. E como ponto alto de sua maldade, manda matar e cozinhar os filhos de seu marido. A crueldade do seu ato é incontestável. É importante perceber também que a vingança, cultivada por ela, é contra o rei, mas tem como alvos outros personagens que foram ainda mais vítimas do que ela. Também não há arrependimento. Em momento algum ela demonstra compaixão ou compreensão pela situação de Tália e seus filhos. Assim, a maldade apresentada nessa personagem é arquetípica. A sombra que é lançada sobre ela desde sua primeira aparição não é atenuada, ao contrário, é acentuada em cada ação.
Na versão mais difundida da história, a dos Irmãos Grimm, os atos da fada má, embora baseados em pretextos fúteis como foi assinalado, se limitam à tentativa de matar a Bela Adormecida. Não é de modo nenhum menos terrível, mas é evidentemente menos cruel que matar e cozinhar os filhos, e jogar na fogueira a mãe. Em comum com a personagem de Sol, Lua e Tália, ela também procura se vingar do agravo feito pela corte e também não apresenta nenhum arrependimento. As duas personagens representam, portanto, uma mesma concepção do mal em graus diferentes.
Já, na história fílmica que escolhemos há uma grande mudança. De semelhança vemos que ela é afrontada pelo jovem que se tornará rei e se move pelo desejo de vingança. Também como nas outras histórias, ela procura se vingar do rei atingindo sua filha inocente, porém aqui acabam as semelhanças. Como já dissemos anteriormente, ela é, em sua infância e juventude, uma fada boa e protetora. Esse simples passado de bondade se contrasta com o ardor maior do que de costume da rainha e da denominação de fada má que coloca a personagem de A Bela Adormecida como alguém sem nenhuma outra característica.
Além disso, durante o crescimento de Aurora, é Malévola quem cuida e protege a menina e que por fim cria um vínculo com ela. Ela se torna a fada madrinha da jovem contrariando toda a tradição dessa história. A figura que seria a representação mais crua do mal volta, nessa interação com a menina, ao seu estado primeiro de bondade e empatia.
Já estamos em outro terreno bem diferente da maldade absoluta vista nas duas primeiras personagens e isso é atestado no arrependimento de Malévola. Além de cuidar da criança e se tornar uma fada madrinha para ela, Malévola se arrepende, como citamos no tópico anterior, e tenta salvar a moça. Ela ainda se ressente e não confia no rei, mas percebe que Aurora não merece ser punida pela maldade do pai.
As considerações feitas acima nos fazem perceber que, se as duas primeiras personagens são protótipos de maldade e crueldade, Malévola é mais humana e real. Ela não é boa ou má, ela simplesmente reage aos acontecimentos e é transformada por eles. Ao ser traída, se torna dura e cruel, mas quando se depara com a inocência e bondade de Aurora, ela volta ter empatia e sensibilidade.

Considerações finais

Podemos ver, através desses textos, a mudança que os contos de fadas sofrem ao serem contados e recontados. Cada versão atraindo para si as ideologias de sua época e das pessoas que as contaram.
Uma mantém o caráter cruel da sociedade que a gerou apresentando explicitamente assuntos que, se para nós são horrendos, para aquele momento eram comuns e aceitos como comum. Também deixa o homem em sua posição de domínio e superioridade.
Outra idealiza a mulher e propõem para as jovens que serão atingidas por aquela historia um padrão de comportamento passivo e submisso que norteia a ideologia daquela sociedade. O homem continua sendo superior, pois é só o seu beijo que pode salvar a linda donzela.
A última, no entanto, aponta para uma sociedade em mudança que começa a perceber os estereótipos que criou e os malefícios deles, que repensa o amor verdadeiro prototípico de contos de fadas reformulando-o em um profundo amor maternal. E que, além disso, demonstra não haver linhas precisas entre o bem e o mal, não sendo esses opostos, mas partes de um mesmo ser.


Referências bibliográficas

DARTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe Ganso. In: O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultual francesa. Tradução: Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
GIAMBATISTA, Basile. Sol, Lua e Tália. Disponível em: <http://volobuef.tripod.com/op_basile_sol_lua_talia...> Acesso em: 11 jun. 2015.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos - Translation by Christine Röhrig. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
MALÉVOLA. Direção: Robert Stromberg. Estados Unidos, Reino Unido: Walt Disney Studios, 2014. 105 min.


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Júlia M. F. Espirito Santo              (7616191)
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